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O uso de drogas é um comportamento
com consequências. Podemos dizer que elas são diretamente proporcionais ao
excesso e intensidade do uso. Quando pensamos na dependência é preciso
considerar o tripé que inclui necessariamente o contexto sociocultural, o
produto e a pessoa que faz uso de droga. Então, podemos imaginar que quando
cada aspecto desse tripé se movimenta, alguma consequência daí advém.
Pensando no cotexto sociocultural,
imaginar uma “sociedade sem drogas”, do ponto de vista da civilização humana é
inviável, posto que essa é uma invenção para dar conta da angústia existencial.
A droga está presente desde os primórdios da civilização, quando o homem
primitivo descobriu o vinho, na época das cavernas. Há relatos históricos de
consumo de drogas na Suméria 3000 a.C..Também encontra-se em citações bíblicas,
onde Deus alerta para que a mulher grávida não ingira “bebidas fortes” para não
prejudicar seu futuro filho. Na China e no Egito, 5000 anos d.C. já se tem
relatos do uso de ópio e outras substâncias.
Dando um salto para o fim do século
XIX, por volta de 1884, o pai da psicanálise, Sigmund Freud tem uma experiência
com a cocaína (Eritroxylon coca) que
o deixou fascinado a tal ponto que o levou a publicar o artigo “Uber Coca” onde
elogiava a cocaína. Freud havia imaginado ter achado um remédio para todos os
males e chegou a receitá-lo para seu amigo Fleischel, que havia desenvolvido
dependência de morfina em função de atenuar as dores que sentia devido cirurgia
no joelho. Freud vai do fascínio à decepção, quando já em 1885 se depara com a
grave dependência de cocaína de seu amigo, e também com relatos da literatura a
cerca da psicose cocaínica. Freud precisou se retratar publicando em 1887 seu
artigo “angústia e medo da cocaína”, até para não comprometer a brilhante
carreira que se anunciava. Certamente que esse desastroso encontro possibilitou
Freud a pensar em uma forma de tratamento que não precisasse de nenhum
“remédio” e aí recorreu inicialmente à regressão através da hipnose e depois à
associação livre, o carro chefe da psicanálise.
No fim dos anos 60, a juventude fazia
uso de drogas sempre associado a “não violência”, é a geração “paz e amor”. E
temos notícias de vidas abreviadas precocemente pelos excessos desse uso como
Janis Joplin e Jimi Hendrix, já nos anos 70. Assim como relatos de “bad trip”
provocadas pelo LSD – dietilamida do ácido
lisérgico; como pode ser observado no filme Hair, de Milos Forman. As
roupas, cabelos, o estilo de vida davam outro sentido ao uso de drogas.
As consequências do uso também estão
relacionadas ao tipo de droga escolhida. O usuário de maconha (Cannabis sativa), por exemplo,
aparentemente não sente os efeitos negativos dessa droga, ao contrário, na
maioria das vezes atribui a ela uma sensação relaxante, calmante e que traz bem
estar, até porque se havia algum impulso agressivo, ele é contido após o uso da
droga, se o desejo era acalmar. A chamada “síndrome amotivacional” devido ao
consumo crônico de maconha, é uma consequência desastrosa para grande parte dos
jovens, pois tem como desfecho o “abandono” de projetos, planos e
possibilidades.
Os usuários
do ayahuasca, o chá do culto do Santo
Daime que o ingerem num contexto ritualizado também acreditam que essa droga
induz o estado de espírito desejado. O antropólogo Eward MacRae enfatiza que:
“Entre os adeptos do Santo Daime residentes em São Paulo e Rio de Janeiro, por
exemplo, encontram-se numerosos jovens adultos de classe média com um passado
de uso desregrado de drogas e com dificuldades de inserção numa sociedade que
atravessa severa crise social, econômica e moral. Pertencer à seita supre-os
com um importante referencial moral, além de introduzi-los em uma rede de
sociabilidade capaz de lhes fornecer oportunidades de emprego, locais de
moradia, assim como projetos de vida voltados para a comunidade”. Fico me
perguntando se, nesse contexto particular, seria um exemplo de consequências
positivas em decorrência da ingestão de uma droga psicoativa, Porque, continua
o antropólogo: “É também notável como o engajamento nessas seitas
frequentemente leva ao apaziguamento de tensões familiares, reconciliando os
jovens com os mais velhos”.
Hoje o
consumo de drogas nos centros urbanos, é tido como um sintoma social, um
reflexo do distanciamento entre as relações pessoais e a perda de valores
éticos e afetivos, o que possibilitou a criação de uma demanda pela procura de
drogas que alimenta o tráfico e também tem como consequência o aumento da
violência e da criminalidade.
Do ponto de
vista epidemiológico, de saúde pública; o álcool é a droga que traz mais
consequências negativas em diferentes aspectos: físicos, psíquicos, laborativos
e familiares. Entretanto, paradoxalmente é a droga mais aceita e estimulada
socialmente.
Pensando em
quem faz uso de droga é preciso considerar o fenômeno em toda sua complexidade.
Há relatos como: “Eu queria usar drogas até morrer... como eu não morri, agora
eu quero viver”. Essa frase, dita por alguém com longa história de dependência,
mostra que a experiência de quase morte com as drogas, lhe devolveu o desejo de
viver. Certamente que nem todos que entram em contato com as drogas vão
desenvolver dependência e é preciso ir para a história de cada um para situar
um comportamento aditivo. Também diríamos que não há uma estrutura clínica
(neurose, psicose, perversão) que possa situar o dependente, mas estaríamos
diante de uma conduta de drogadição. O dependente tem uma realidade objetiva e
insuportável que ele não consegue modificar e encontra como “alternativa”, a
alteração da percepção da realidade, vivendo num equilíbrio instável.
O uso de drogas em situações de crise
como na adolescência, em que é preciso a elaboração da perda do corpo infantil
e até uma certa falta de lugar, de ter que “esperar” a condição adulta, tem
consequências que podem ser completamente diferentes dependendo do contexto
familiar que pode ser mais ou menos protetor para o adolescente.
O encontro do indivíduo com a droga
pode ou não acontecer. A idade de início do consumo é via de regra a
adolescência, mas está cada vez mais frequente o uso já na infância, com a
eleição de inalantes como droga preferida; resultado do imenso desamparo de
quem vive com fome, sem abrigo e sem referência, em uma etapa da vida em que o
cuidado é constitutivo do psiquismo.
Apesar de quanto mais tardio na vida
for o encontro com a droga, maiores as chances de não se desenvolver
dependência; algumas pessoas iniciam o uso numa idade avançada num contexto de
luto, perda e ou separação podendo entrar rapidamente num consumo mais intenso
e prejudicial, indicando que algo já estava lá, e faltava a droga para
desencadear o processo.
Enfim, é preciso pensar o uso
compulsivo de drogas como um dos tipos de ações impulsivas da conduta humana,
como tantas outras igualmente prejudiciais e que o excesso que caracteriza a
adicção certamente traduz e também é possibilidade de denunciar o consumismo
exagerado da sociedade atual.
Autora:
Regina Cássia Almeida
Psicóloga clínica e psicanalista
Poderia a autora ter revelado as fontes que utilizou para escrever seu artigo!
ResponderExcluirPoderia a autora ter revelado as fontes que utilizou para escrever seu artigo!
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