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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Quando a velhice decide chegar

"Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!

Quando se vê, já é Natal…

Quando se vê, já terminou o ano"


"Com essa citação desse tal de Quintana, na minha cadeira de balanço no jardim de casa, começo o texto de hoje.

Quando menos se espera a semana passou, décadas escorreram pelos meus dedos. Não sou mais aquela menina de 20 anos que começou a trabalhar no hotel mais famoso da cidade, que voltava pra casa a pé e ouvia coisas do tipo “que pão-de-ló”, “que bombonzinho”, frases assim. 
Fico até pensando se todas as cantadas tinham a ver com comida, era cada uma que eu ouvia...

Em falar em comida, lembro como se fosse semana passada, de quando eu tinha 60cm de cintura e longas pernas; de quando me sentia bonita e ia aos bailinhos da minha cidade.
E em um desses bailinhos conheci o homem que viria a ser meu marido e pais dos meus filhos. Foram meses ele passando em frente a minha casa e eu em frente a casa dele, a gente ainda não se falava, nossos olhos se cruzaram no bailinho e achei que seria para sempre.

Fui muito feliz, sabe? Apesar de tudo, foi o único homem que amei, foi quem me deu o maior presente de todos: meus filhos. Mas logo se acabou. Meu Juvenal, quer dizer, ainda acho estranho não chamá-lo mais de “meu”, Juvenal conheceu uma outra mulher, mais nova e espevitada, estava na moda essas mulheres atrevidas, nunca me acostumei com elas.
Eu era apenas uma menina do interior que queria cuidar da minha casa, dos meus filhos e do meu marido. Acho que não foi suficiente.

Depois que ele se foi, nunca mais amei ninguém. Não por falta de propostas, apesar de tudo eu ainda continuava bonita. Não queria que outro homem me tocasse, se aproximasse dos meus filhos.
Voltei a trabalhar no hotel, precisava me sustentar e educar minhas crianças. Foram anos bons, mas já não sentia tanto prazer assim em estar ali.

Dizem que reclamo demais: reclamo de quando faz sol e de quando faz chuva. Mas tenho culpa? Quando faz sol fica muito quente e quando faz frio, minhas juntas doem. Não é culpa minha reclamar tanto assim, o mundo é que não é justo.

Cá estou eu, depois de 5 AVC (e os médicos dizem que sou vitoriosa por ainda estar viva. Ora vitoriosa! Que vitória há em estar com metade do corpo paralisado?!), sentada, olhando o mundo lá fora.

Ritinha está de namorado novo, Zezé se separou de novo, João Grilo não para de trair a esposa e todo mundo sabe.

Fui aposentada por invalidez, não posso mais trabalhar porque mal consigo andar, não consigo fazer mais quase nada.
Mas pelo menos meu cumê ainda sou eu que faço, esse prazer ninguém me tira!
Meus filhos me deixaram, hoje vivo sozinha: sem marido, sem filhos, meus netos não gostam de vir aqui, dizem que moro longe e aqui não pega um tal de internet, sei nem o que é isso.
Hoje só me resta essa menina aqui que escreve o que eu falo para ela, mas sei que ela só está aqui porque dou umas moedinhas.

Quando eu tinha 20 anos não imaginava que o mundo pudesse girar tão depressa, que eu deixaria passar tantas oportunidades, que eu fosse precisar de ajuda até para colocar a roupa, que o mundo estivesse rodeado de tanta maldade e doença e que eu estaria agora, aos 76 anos, aconselhando as pessoas a viverem mais, a valorizarem mais. Valorizarem o simples poder subir e descer escadas, o poder levar o garfo à boca sem derramar metade da comida, aquela amiga que te admirava tanto, mas você não tinha paciência para conversar, um abraço sincero que a mágoa não te deixou dar, um “eu te amo” guardado no bolso... Foram tantos “quase” que só me resta o “se”: Se eu tivesse feito tal coisa, se eu tivesse dito aquilo...
E o que me resta é esperar a morte vir recolher minha alma".



Teria escrito Dona Gertrudes. 
Quantas Gertrudes existem por aí?





Élida Cunha  - 
Especialista em Psicologia Clínica Humanista-existencial-fenomenológica;
gestalt-terapeuta (em formação);
mestranda em Psicologia - UFRN

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